2.3.08

O controverso Georgescu-Roegen

Reproduzo, abaixo, o artigo Georgescu, o rabugento pai da economia ecológica, de autoria de Cynthia Malta, sobre o economista romeno Nicolae Georgescu-Roegen, publicado em 3 de setembro de 2004 no jornal brasileiro Valor Econômico. Curiosamente, Georgescu-Roegen dá seu nome à descida da face nordeste do Morro da Babilônia, na Urca, cidade do Rio de Janeiro (fonte: União de Caminhantes e Escaladores Rio de Janeiro).

Georgescu-Roegen nasceu na Romênia em 1906 e morreu nos EUA, aos 88 anos. A personalidade forte, a rabugice e o extremo rigor com que tratava seus alunos são lembrados até hoje no meio acadêmico quando o assunto é Nicholas Georgescu-Roegen, considerado o pai da economia ecológica. Um dos raríssimos alunos que conseguiram ser orientados por Georgescu em curso de pós-graduação foi o ex-presidente do Banco Central e consultor Ibrahim Eris.

"Ibrahim Eris era turco e foi chamado para prestar o serviço militar em seu país. E ele resolveu contar isso a Georgescu. Contou que precisava terminar a dissertação em seis meses para servir o exército. Foi isso que o salvou", conta o professor Andrea Maneschi, da Universidade Vanderbilt, em Nashville (EUA), onde Georgescu foi o professor de economia mais ilustre de seu tempo lá, de 1949 a 1976, quando se aposentou aos 70 anos. Maneschi foi colega de Georgescu em Vanderbilt por 24 anos.

"Georgescu era professor nato. Navegava por assuntos difíceis, mas sabia ensinar, explicar. Mas orientou poucas teses pois era muito rigoroso. Ele podia massacrar um aluno", lembra Charles Curt Mueller, professor de economia do meio ambiente da Universidade Federal de Brasília e aluno de Georgescu de 1968 a 1971.

Georgescu nasceu na Romênia em 1906 e morreu em 1994, aos 88 anos, nos EUA. Mesmo dez anos após a sua morte, ele continua polêmico. É ignorado pelas universidades nos Estados Unidos, estudado e debatido na Europa e pouco conhecido no Brasil, onde sua extensa obra nunca foi traduzida.

Sua obra mais conhecida - A Lei da Entropia e o Processo Econômico, de 1971 - mescla conceitos de física e economia. Ele dizia que todas as formas de energia gradualmente são transformadas em calor, sendo que o calor acaba se tornando tão difuso que o homem não pode mais utilizá-lo. Afirmava que o crescimento econômico moderno vinha sendo feito por meio da extração de carvão e petróleo e que um dia, no futuro, seria baseado em formas de exploração mais diretas da energia solar.

Georgescu dizia que o processo econômico obrigaria a humanidade a abandonar o crescimento e sua conclusão é de que será necessário encontrar uma via de desenvolvimento humano que possa ser compatível com a retração, isto é, com o decréscimo do produto. "Uma tese por demais inconveniente para a inevitável miopia do curto prazo", observa o professor titular da Faculdade de Economia da USP, José Eli da Veiga.

Georgescu nasceu pobre na cidade portuária de Constanta, mas sua inteligência e dedicação aos estudos - matemática, no início - levou-o a uma bolsa na Sorbonne, em Paris, depois a Londres (para estudar estatística) e aos EUA, onde conheceu o já famoso Joseph Schumpeter, que inspirou-o a estudar economia, já nos anos 30.

Ele poderia ter permanecido em Harvard, onde já era admirado, mas preferiu retornar a seu país, cujo governo havia financiado seus estudos em Paris e Londres. Ocupou vários cargos no governo de Bucareste, mas a instabilidade política, culminando com a Segunda Guerra Mundial e o controle do país pela União Soviética, levou Georgescu a fugir com a mulher, Otília, escondido num barco para Istambul.

Voltou aos EUA e conseguiu trabalho em Harvard, como palestrante e pesquisador associado. Poderia ter continuado lá, mas decidiu deixar a famosa universidade do leste americano para instalar-se no interior do país.

"Devido a seu passado difícil na Romênia, a pobreza, duas guerras, talvez ele tenha se sentido mais seguro com a oferta de um emprego em Vanderbilt e preferiu não esperar um cargo permanente em Harvard", diz Maneschi. A segunda teoria é de que em Nashville ele seria "o peixe grande no aquário pequeno." Maneschi lembra que em Harvard "havia muitos peixes grandes e que em Vanderbilt havia três ou quatro economistas importantes. E Georgescu era o maior".

O temperamento difícil, o rigor científico de seus trabalhos e a originalidade de suas idéias, em especial no final dos 60 e início dos 70, criaram uma mistura difícil de ser aceita pelos economistas "ortodoxos" da época. O Nobel Paul Samuelson - o primeiro economista americano a ganhar o prêmio - chegou a prefaciar um livro de Georgescu (Economia Analítica, de 1966) e cobri-lo de elogios, chamando-o de "o economista dos economistas". Dez anos mais tarde, Samuelson proibiu que seu manual pedagógico sobre economia fizesse referência a Georgescu.

Maneschi diz que esse elogio de Samuelson deu esperanças a Georgescu de que um dia ele também pudesse ser indicado para o Nobel. "Mas ele não era um político. E para ganhar um prêmio Nobel, você tem que, muitas vezes, atuar como um político e ele não era. Ele era muito ruim em cultivar conexões".

Não ajudou o fato de Georgescu classificar de "economistas-padrão" os prêmios Nobel Samuelson e Robert M. Solow e todo aquele que não concordasse com suas opiniões.

"Os economistas, então, jogaram um manto de silêncio sobre Georgescu. Samuelson, por exemplo, não falou mais dele. Acabou sendo considerado um não-economista. Diziam que o que ele defendia não tinha a ver com economia. Ele morreu amargurado", diz o professor de economia da Unicamp, Ademar Romeiro, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica e chefe geral da Embrapa Monitoramento por Satélite.

Nem todos concordam com a visão de que Georgescu nunca foi indicado para o Nobel por sua falta de tato ou devido à originalidade de suas idéias. "Ele não ganhou o Nobel pois ele estava errado. Ele errou quando disse que era impossível reciclar produtos. É simples assim", diz Robert Ayres, economista do Instituto Internacional de Análises de Sistemas Aplicados.

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