28.8.09

Bucovina brasileira

A origem dos alemães bucovinos está na Baviera, estado autônomo do sul da Alemanha. Da região bávara, emigraram em fins do século XVIII um considerável número de famílias camponesas para colonizar algumas áreas da austríaca província da Boêmia. Em 1838/1840, os descendentes desses camponeses de origem bávara seguiram para a Bucovina, a província mais oriental do Império Austro-húngaro (e parte da Moldávia histórica), hoje dividida entre Romênia e Ucrânia.

Lá, fundaram comunidades e prosperaram; além dos alemães, havia na Bucovina colonos de origem ucraniana, polonesa e húngara, súditos do Império Austro-Húngaro.

Nos anos de 1887 e 1888 os bucovinos emigraram em duas levas para o Brasil, mais especificadamente para Rio Negro, totalizando 377 pessoas divididas em 77 famílias. Na região, os alemães bucovinos (ou austríacos bucovinos, como se afirmam alguns dos mais velhos descendentes) realizaram as tarefas de desbravamento, a começar pela derrubada das matas para o plantio e estabelecimento de sua cultura. Os bucovinos ocuparam largo setor de atividades econômicas conquistando relativa prosperidade, conservando no Brasil suas características específicas: língua (dialeto), tradições, danças folclóricas e culinária.

Um considerável número de imigrantes se instalou no vizinho município de Mafra e alguns ainda em São Bento do Sul, cidade colonizada, em sua maioria, por alemães oriundos da Baviera, da antiga Boêmia e da Floresta Negra.

Rio Negro e Mafra formam juntas a maior colônia bucovina existente no mundo. Faltam, contudo, projetos culturais que garantam a preservação do dialeto bucovino, que diminuiu consideravelmente entre os descendentes. "Tal dialeto é um patrimônio cultural de uma região que, enquanto de língua alemã, não existe mais e sua preservação e promoção é de vital importância para a manutenção da cultura dos emigrantes bucovinos" (ALTMAYER, Everton - Deutsche Dialekte in Brasilien, 2005).

Anualmente é realizada em Mafra a Bukowinenfest, que preserva os costumes dos emigrantes alemães da antiga região da Bucovina. Sempre em julho, a festa é animada com os grupos folclóricos, corais, bandas tradicionais, além dos deliciosos pratos típicos e muita cerveja, que agradam os turistas e os moradores da região.

Fonte: Wikipédia

15.8.09

Um escritor-diplomata sobre a Romênia

O escritor e diplomata brasileiro Jorge Sá Earp (na foto, diante de minha pousada, em julho de 2007, então ainda em construção, na província romena de Suceava), às vésperas de sua segunda partida da Romênia, escreveu o texto abaixo para o Jornal Sidarta, que o publicou em 27 de julho do corrente.

A palavra Romênia ouvi soprada pela primeira vez da boca de meu pai: ele tinha voltado da Europa, na década de 60, e em Roma tinha se encontrado com uma senhora romena, advogada, no hotel em que se hospedaram. Me lembro dos olhos negros dessa mulher num slaide projetado na parede. Olhos que transmitiam uma alegria contida. Se não me engano ela estava vestida de preto. Meu pai contou que ela recebera uma bolsa para estudar na Cidade Eterna e sentia medo, medo de voltar ao seu país por causa do comunismo.

Depois meu pai me explicou que a Romênia era um país cuja língua tinha raiz latina, um país latino rodeado de povos eslavos. Aquilo aguçou minha curiosidade. Coincidência ou não (mon ami le hasard, como disse Colette) vim parar em Bucareste graças à minha profissão em 1999. Para ser mais exato, duas vezes neste país: daquele ano a 2003 e de 2006 até hoje.

Sob a influência do noticiário internacional de que alguns anos antes, Ceausescu, o ditador comunista, tinha destruído toda a parte antiga da cidade (logo eu que adoro antiguidades, vieilles villes), imaginava Bucareste completamente moderna, com blocos cinzentos à maneira dos de Varsóvia, onde também morei nos anos 80. Não estava errado de todo, mas cheguei do aeroporto pela Calea (é quase calle) Victoria, uma da artérias principais da cidade, que exala um charme todo especial de avenida antiga. Antes dei com um Arco do Triunfo e Denisa, funcionária romena da embaixada, me explicou que se tratava de construção de 1918 em homenagem à união dos principados da Valáquia, Transilvânia e Moldávia, que deu origem ao país hoje conhecido como Romênia, nome tirado mesmo de Roma, haja vista o orgulho que nutre este povo por guardar origens no Lácio. Tais origens se devem à vitória da legiões chefiadas pelo Imperador Trajano sobre os dácios no início do século II D.C. e sua consequente ocupação até cerca de 270 D.C. – centúria suficiente para que se consolidasse a cultura latina nesta região da Europa do Leste.

Da Calea Victoria desembocamos na Praça do Palácio Real, hoje Museu de Belas Artes, com excelente acervo que inclui quadros de Tintoretto, Rembrandt, El Greco, Zurbarán e Murillo, belo edifício datado do final do século XIX mas ampliado pelo rei Carol II (o tal que se casou em segundas núpcias no Copacabana Palace no Rio em 1947) na década de 20. Em frente espanta a magnificência do Ateneu Romeno, cartão postal de Bucareste, a Sala Cecília Meireles deles, erguido no ano da abolição da nossa vergonhosa escravatura, ou seja, em 1888. Para completar esse conjunto arquitetônico dei ainda com a Biblioteca da Universidade, prédio de estilo francês do século XIX e com o atual Hilton, cujos atuais proprietários resolveram alterar de maneira sóbria a antiga fachada de um dos mais elegantes hotéis de Bucareste, o Athenée Palace.

Essa a primeira impressão: mais tarde fui conhecer Lipscani, o centro histórico, um tanto mal conservado, que me lembrou a Lapa. Aliás em Bucareste há muitas partes que me recordam Botafogo. O estilo das casas; embora em algumas se perceba uma nítida influência oriental-veneziana, como janelas com arcadas. Falando em estilo, na Romênia existe uma escola arquitetônica bastante própria que é a brancoveana, criado pelo príncipe Constantin Brancoveanu, que vai do meado do século XVII a cerca de 1730, com "loggias" e colunas ornadas de arabescos.

Para finalizar com a arquitetura da capital romena, não posso deixar de mencionar o imponente e maciço Parlamento ou Casa do Povo (Casa Poporului), erigido pelo mesmo Ceausescu que demoliu todo um bairro antigo (e aí a imprensa internacional não exagerou) tendo como pretexto o terremoto de 1977. Até igrejas ortodoxas do século XIII foram abaixo nessa fúria destruidora, exceto uma ou duas, transportadas para outros bairros por meio de uma tecnologia caríssima. Apesar de ser também cartão postal, não posso deixar de expressar minha desaprovação pela sua estatura pesadona e confeitada. É uma espécie de pirâmide de Kéops, a concretização da megalomania de Ceausescu, o segundo maior edifício público do mundo depois do Pentágono, segundo os guias que nos conduzem pelo seu enorme e carregado interior.

Como minha morada é a Literatura, fiquei fascinado com a poesia filosófica de Lucian Blaga (1895-1961). Viajei mesmo até perto de sua cidade natal, na região que abarca a cidade de Sibiu, capital cultural da Europa em 2008 e minha cidade preferida neste país. Por outra coincidência (ou por obra e graça do mesmo caro acaso de Colette) fui morar na Calea Mihai Eminescu, sob a proteção desse grande poeta romântico do século XIX, que para não fugir à tradição da escola, veio a falecer jovem também. Não tão jovem quanto os nossos Álvares de Azevedo e Castro Alves mas com 39 anos, louco, num asilo. Ambos, aliás, estão traduzidos magnificamente para o português.

No final de junho de 2007, fui convidado para a abertura da casa-museu do poeta Stefan Baciu, que viveu no Brasil 40 anos, trabalhou na Tribuna da Imprensa, tornou-se amigo de vários escritores brasileiros como Manuel Bandeira, de quem aliás foi biógrafo, e de Vinícius de Moraes. A embaixada do Brasil doou, na ocasião, à casa-museu os 2 volumes da Enciclopédia da Literatura Brasileira de Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza, onde Baciu se encontra citado.

No teatro tomei conhecimento de Ion Luca Caragiale (1852-1912), considerado o maior dramaturgo romeno, boêmio, frequentador da Casa Capcha, antigo café de intelectuais, hoje restaurante chique, aonde ia vestindo uma écharpe vermelha. Li duas comédias dele: Noite Tempestuosa e A Carta Perdida, traduzidas por Ático Villas-Boas, especialista em Cultura e História romenas.

Ao mencionar o famoso Ionescu, meus amigos romenos torcem o nariz e dizem que é escritor francês, já que escreveu a maioria de suas geniais peças no idioma de Molière. Agora outro que vim a descobrir foi o jovem Matei Visniec. Assisti a uma montagem de obra sua sobre a vida do diretor de teatro russo Meyerhold, que realmente me apaixonou. Texto primoroso e elenco admirável.

Enfim, Bucareste é uma cidade com intensa vida cultural: cinemas, inclusive os de arte como a Cinemateca e o Studio, teatros, a Ópera, o de Operetas, o Nacional, museus etc etc. Capital de um país especialmente bem aquinhoado pela Mãe Natureza com praias ao longo do Mar Negro e a cadeia de montanhas dos Cárpatos, por onde se estendem as florestas da Transilvânia, região cujo nome ressoa misteriosamente no imaginário estrangeiro por causa do famoso personagem do escritor irlandês Bram Stoker, o Drácula (dragão ou demônio em romeno), baseado na figura do príncipe da Valáquia Vlad Tepes, conhecido como o Empalador, por causa desse severíssimo castigo que impunha ao invasor turco. É ali na Transilvânia que está situado, próximo ao vilarejo de Bran, o dito castelo do Drácula, na realidade tão somente posto da alfândega entre aquela província e a Valáquia, mas com o encanto de fortaleza medieval, onde o sanguinário príncipe teria se hospedado apenas uma noite no século XV. Sua cidade natal é a bela Siguichoara, que remonta o medievo, e onde o aparato turístico também atrai os turistas com souvenirs da mais variada espécie, respaldado na lenda criada por Stoker, que ofusca outros lugares bem mais interessantes, a meu ver, deste belo país.