O seguinte artigo, de autoria do antropólogo brasileiro Silvio Soares, foi publicado em 03 de dezembro de 2003 no Diário de Pernambuco, e trata da visita que Eugen Ionescu fez ao Brasil em 1982. (A caricatura de Ionescu é de autoria do artista maranhense Érico Junqueira Ayres).
"A Romênia comemorou, nesta última segunda-feira, a sua data nacional. E, neste momento em que as relações no plano cultural entre aquele país e o Brasil se intensificam - registre-se que foi lançada, há pouco mais de dois anos, a tradução romena de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre - ocorreu-me recordar a passagem do escritor e teatrólogo romeno Eugène Ionesco pelo Recife. Veio para pronunciar conferência a respeito de sua obra no Seminário de Tropicologia. Nessa época o Seminário funcionava na Fundação Joaquim Nabuco da qual tive a honra de ser pesquisador, exercendo ainda as funções de assistente de direção daquele colegiado.
Em agosto de 1982 chega Eugène Ionesco. Aqui aporta graças ao prestígio e à sensibilidade de Gilberto Freyre e a eficiente e decisiva atuação da filósofa Maria do Carmo Tavares de Miranda, coordenadora-adjunta do Seminário.
Procurando justificar a presença de Ionesco como conferencista do Seminário de Tropicologia, instituição como se sabe voltada para o estudo e a análise das questões tropicais, Fernando de Mello Freyre, que presidiu aquela reunião, tenta aproximar o teatro do absurdo com o possível absurdo dos espaços tropicais, afirmando: "Interessa aos propósitos deste Seminário de Tropicologia estudar todas as manifestações criadoras do homem, notadamente do homem situado nos trópicos, em trópicos que tendo muito de mágico, não deixam de ter alguma coisa de absurdo, que Ionesco inteligentemente retrata nas suas mundialmente conhecidas peças de teatro".
Gilberto Freyre, coordenador do Seminário de Tropicologia, por sua vez, na abertura daquela memorável reunião, ao considerar aspectos da formação intelectual, das raízes romenas, da repercussão e da importância da obra artística de conteúdo filosófico daquele escritor, fez, dentre outras, as seguintes observações: "Lembre-se de Eugène Ionesco que, de formação francesa, e intelectualmente francês, é membro da Academia Francesa. Mas um membro todo especial na sua maneira de ser membro de uma Academia. Nasceu na Romênia, em 1912, dentro, portanto, de uma cultura e de uma língua com as quais o Brasil tem parentesco".
Em toda a história do Seminário de Tropicologia, criado há 37 anos, poucos foram os conferencistas tão esperados e aplaudidos como Ionesco. Não sendo político, nem empresário, superlotou um grande auditório reservado especialmente para ele. Atraiu enorme público, não somente do Recife mas também de várias cidades do Nordeste.
Todos ouviram, atentamente, sua longa exposição. Nela, quase sempre em tom interrogativo, discorreu sobre sua filosofia, sua lógica, sua estética, sua arte. Tendo, logo no início, recordado uma pergunta feita por um jornalista, quando ele descia de um navio com as malas na mão: "Qual a sua concepção sobre a vida e sobre a morte?" Disse então Ionesco: "Eu enxuguei o suor da minha fronte e roguei que ele me concedesse vinte anos para refletir sobre a questão. Os vinte anos se passaram e eu não pude lhe dar a resposta".
Após a sua exposição, durante os debates, respondendo a uma indagação sobre o que Ionesco pensa de Ionesco, o teatrólogo do absurdo valeu-se de uma frase da artista Simone Signoret: "Quanto mais vivo, menos compreendo". E continuou, com suas próprias palavras, afirmando categoricamente: "Eu não sei o que Ionesco veio fazer neste mundo e é inútil perguntar a quem quer que seja"."
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