23.6.09

Entrevista com jovem artista brasileiro

Raul Passos é pianista, regente, compositor e poeta. Nascido em Santa Catarina, graduou-se em Composição e Regência, sob a orientação de Emanuel Martinez (regência) e Harry Crowl (composição) pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Como pianista, foi aluno de Vivian Siedlecki e aprimorou-se em cursos e masterclasses com nomes como Edson Elias, Fernando Lopes, Luiz Medalha, Ingrid Barancoski, Giorgia Tomassi (Itália), Andrea Lucchesini (Itália), Claude Bessman (França) e Manja Lippert (Alemanha). Apresentou-se nas principais salas de concerto de Curitiba, em todo o estado do Paraná e ainda em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás. Na Romênia, realizou em Brasov e Ploiesti recitais inteiramente dedicados a compositores brasileiros. Também na Romênia, em Bucareste, apresentou-se na Sala George Enescu da Universidade Nacional de Música, no Palácio Sutu e na Sala Polivalente. Aos 18 anos, obteve o 1° lugar no Concurso Latino-Americano de Piano Rosa Mística. De 2003 a 2005 foi co-responsável por projeto de redescoberta e divulgação da obra de Brasilio Itiberê. Regeu de 2001 a 2003 o coro da Ordem Rosacruz - AMORC. Pesquisador da URCI – Universidade Rosacruz Internacional, é estudioso das relações entre música e misticismo e palestra sobre o assunto. Mantém um duo camerístico com o baixo Juarês de Mira, dedicando-se especialmente ao gênero Negro Spiritual. No tempo que lhe sobra, dedica-se à poesia. Em 2005 foi laureado com o 1° Lugar no I Concurso Nacional de Poesia “Augusto dos Anjos". Em 2007, foi convidado a integrar a Academia Curitibana de Cultura. Atualmente reside em Bucareste onde realiza, na Universidade Nacional de Música, mestrado em interpretação pianística (música francesa para piano na primeira metade do século XX), aperfeiçoando-se sob a orientação de Manuela Giosa, Veronica Gaspar e Steluta Radu. Aprontando as malas para Curitiba, Raul Passos teve a gentileza de conceder a entrevista abaixo ao TPRB.

TPRB - Após 10 meses morando em Bucareste, quais as diferenças observadas entre a Romênia imaginária, anterior a sua chegada, e a Romênia vivida?
RP - A Romênia está naquele grupo de países que, para nós, brasileiros, por evocarmos apenas o nome, já nos traz um quê de "misterioso", "diferente" ou mesmo "exótico". Não paramos para pensar que esses conceitos na verdade só existem a partir da comparação, e portanto são o extremo do relativo. Eu sempre tive uma atração inexplicável pela Europa Oriental. Tive o privilégio de ter tido, na minha trajetória pessoal, pessoas que de algum modo abriram os horizontes da Romênia para mim. Naturalmente, houve sonhos e expectativas, realizados e desfeitos em devidas proporções. O país "misterioso" e fascinante pelo proprio mistério, rico em cultura e tradições, com capacidade infinita de surpreender por seu próprio povo e por sua natureza, permaneceu. Por outro lado, a idéia de latinidade como elemento unificador, a imagem de um povo "quente", apaixonado, sempre aberto, desapareceu. No balanço final, é preciso saber que, para entender, gostar de um povo e ser identificado com ele, é necessário sobretudo um poder de aceitação muito grande, pois as diferenças sempre são mais poderosas do que as semelhanças.

TPRB - Quais são, na sua opinião, as semelhanças e as diferenças mais marcantes entre os povos romeno e brasileiro?
RP - Ambos são povos muito heterogêneos. A Romênia, embora dezenas de vezes menor do que o Brasil, compreende uma variedade indistinta de etnologias, de maneiras de ser, isso para também não se falar nos elementos naturais, nas paisagens, no clima. Existe uma cultura do simples, ou em outras palavras um gosto pela simplicidade que é notável nos dois países. Por outro lado, me surpreendeu encontrar um povo muitíssimo mais formal (normalmente formal demais) em contraponto com a informalidade às vezes excessiva do brasileiro. Isso se reflete muitas vezes num comportamento irascível, instável e imprevisível, algo mais fácil de perceber em Bucareste, lugar onde podemos encontrar a síntese do modus vivendi romeno. Não poderia deixar de citar algo: na primeira semana em Bucareste, observei atonitamente que muitas formas de sub-emprego como vendedores ambulantes, lavadores de pára-brisa de semáforo, etc... as quais pensava só existirem no Brasil, são comuns aqui. Em pouco tempo, pode-se perceber que assim como o Brasil está à margem do mundo, na mesma proporção encontramos uma Romênia ainda à margem da Europa.

TPRB - Do ponto de vista do profissional da Música, a Romênia foi uma surpresa? Como sua formação musical foi, tem sido ou virá a ser influenciada pela experiência de realizar aqui um Mestrado?
RP - Sim e não. Sabia antecipadamente que, apesar dos problemas do país, mais atrasado com relação à Europa Ocidental, iria encontrar uma cultura musical muitíssimo mais desenvolvida do que a de que dispomos no Brasil. Ouso dizer mais: a Romênia é muito mais efervescente e prolífica em termos de manifestação artística do que outros países os quais tive a oportunidade de conhecer, como a Hungria, a Bulgária e mesmo a República Tcheca. Do ponto de vista pessoal-profissional, precisei me alinhar a uma disciplina diferente daquela do Brasil. Devo dizer que apenas agora começo a me sentir músico de fato, não pela experiência de uma vivência no exterior, mas pelo que fui "obrigado", no excelente sentido da palavra, a apresentar. A Romênia, ao mesmo tempo que me possibitou oportunidades de concertos, já realizados e futuros, verdadeiras vitrines profissionais, exigiu uma dedicação maior à arte. Tenho colegas que são musicistas extremamente bons, o que me impulsiona a manter-me num nível cada vez mais condizente com a realidade daqui. Creio, por fim, que mais importante e relevante que o simples peso de ter um mestrado realizado na Europa é o crescimento e a visão que derivam dessa vivência.

TPRB - Embora breve o período passado na Romênia, você foi convidado a participar, como pianista, de 5 concertos, tendo tido inclusive a oportunidade de interpretar as "Cartas Romenas", suíte para piano a 4 mãos, composta por você há poucas semanas. O que significa toda essa movimentação e prolificidade?
RP - Algo surpreendente e estimulante a um só tempo. Numerosas portas estão se abrindo para mim aqui. Em alguns meses, pude semear e colher realizações que me custaram muitos anos de esforço no Brasil. Fui extremamente favorecido também por pessoas como o compositor Sorin Lerescu, que me lançou o desafio de uma composição nova, especialmente para o concerto durante a XIX Semana Internacional de Música Nova. Eu, que fiquei muito tempo distante da composição para me dedicar ao piano, quis muito resgatar esse lado e foi essa a oportunidade ideal. Pude produzir algo que me deixou satisfeito. Fui duplamente agraciado, pois tive à disposição o talento, o carinho e a disponibilidade de alguém como Oana Zamfir, com quem tive o privilégio de dividir o palco para trazer à luz essa composição. Mas eu não me acomodo. Uma conquista para mim significa necessariamente um novo desafio. Sempre.

TPRB - Que peso você suspeita que terá a Romênia em sua vida profissional e pessoal? Arrisque profecias.
RP - Esse é o ponto onde o sonho da vinda converge com o da volta. Conheço agora o funcionamento do país, o caráter do povo. Estou integrado à paisagem, falo o idioma e entendo os hábitos. Isso possibilita uma estrutura melhor para a experiência futura. Sou favorecido também pelas amizades e relações que tomaram vida durante este ano aqui. A Romênia é um terreno fertilíssimo. É impossível não deixar esse país entrar nas veias, como já escrevi uma vez. Como pessoas, estamos em perpétua mudança e aperfeiçoamento. A Romênia me tirou coisas, possibilitou crescimento e me presenteou com outras conquistas. Como não ser grato a um mestre assim generoso?

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