A primeira tradução brasileira de O Diário da Felicidade, de Nicolae Steinhardt, realizada por Elpídio Fonseca e revista por Cristina Manescu, será lançada dia 17 de dezembro de 2009, às 19:00 horas, na sede da editora É Realizações em São Paulo.
Reproduzo parcialmente, abaixo, texto de apresentação assinado pelo tradutor.
"Habent sua fata translationes, ou do porquê traduzi O Diário da Felicidade, de Nicolae Steinhardt?
Coisas há que passam sem ser cridas,
E coisas cridas há sem ser passadas,
Mas o melhor de tudo é crer em Cristo.
(Camões, terceto final do soneto CV)
A pergunta mais do que natural que surgirá ao leitor deste livro é: por que um brasileiro traduziria para o português um livro de um monge romeno aqui desconhecido? E a história, longa, mas que procurarei resumir em algumas linhas, remonta ao ano de 1980: enquanto me dedicava aos estudos de língua portuguesa, vi a indicação de uma gramática romena na série de livros que manuseava e disse: por que não aprender tal língua?
Mas a realização desse plano só se daria dali a 18 anos quando conheci aquela que viria a ser minha esposa e que, num primeiro encontro, me emocionou tanto pela correção com que se expressava em português, que pensei com meu botões: o mínimo que essa moça merece é que eu aprenda a língua dela, se não tão bem quanto ela fala a minha, ao menos num nível que possa homenageá-la.
Indicando ela um curso de auto-aprendizado, com fitas cassetes, qual não foi a minha surpresa quando ela também me recomendou aquela mesma gramática de dezoito anos antes! Comecei o curso por conta própria, e, após seis meses, passei a namorar aquela com quem me casaria. Passado um ano, fiz com ela minha primeira viagem à Romênia, onde pude falar pela primeira vez e compreender sofrivelmente o romeno. Depois disso, com a ajuda de minha mulher, passei a falar razoavelmente.
Eis que um dia de 2004, enquanto ouvia de novo uma aula do curso de filosofia de Olavo de Carvalho, de 1998, atentei para um projeto de que ele falava entre as embaixadas da Romênia e do Brasil, tendo à testa, então, o Embaixador Jeronimo Moscardo, segundo o qual haveria traduções de livros de filosofia romenos em português, e traduções de livros de filosofia brasileira em romeno: faziam parte da lista obras de Mário Ferreira dos Santos, do próprio Olavo de Carvalho, Constantin Noica, Lucian Blaga e Nicolae Steinhardt.
O projeto, de 1998, infelizmente morrera e, dos livros planejados, apenas um, de Noica, As seis doenças do espírito contemporâneo (com tradução de Fernando Klabin e Elena Sburlea, introdução, edição, notas e comentários de Olavo de Carvalho, e revisão técnica de Carlos Nougué, biblioteca de filosofia, Record, 1999), fora publicado. Depois que Olavo de Carvalho terminou de falar, na fita cassete, sobre O Diário da Felicidade, de Nicolae Steinhardt, tive uma iluminação e pensei: ora, sei um pouco de romeno, por que não traduzir O Diário da Felicidade? Vou tomar a peito essa empreitada.
Imbuído da vontade de traduzir Steinhardt, propus esse meu plano ousado à minha esposa, que concordou. Finalmente, em 2006 terminei a tradução e minha esposa entrou em contato com a editora do mosteiro de Rohia, para que este negociasse os direitos autorais do livro com Edson Manoel de Oliveira Filho, esse destemido editor que, desde o primeiro momento em que lhe falei de meu projeto, prometeu-me que publicaria o livro no dia seguinte ao em que eu o entregasse.
Depois de alguns contratempos, minha esposa começou a revisão e, como demorasse a resposta do mosteiro, fomos ela e eu, juntos, a Rohia, em janeiro de 2007, e formalizamos o contrato.
De volta ao Brasil, houve uma espera de quase um ano e meio até chegar assinado o contrato: mal sabíamos que tal demora seria providencial, pois, nesse ínterim, duas novas edições se tinham feito em romeno, aumentando, de muito, o número de notas e de informações, o que só viria a beneficiar o público brasileiro, até agora jejuno de Steinhardt.
Mas não era de se esperarem menores dificuldades, quando se sabe que maiores agruras se abateram sobre Steinhardt, cujos manuscritos do Diário por duas vezes lhe foram confiscados pelo regime comunista da Romênia, obrigando-o a reescrever a obra, para, depois, ver devolvido o primeiro manuscrito.
Hoje, sinto-me plenamente recompensado, pois, envidando esforços superiores às minhas forças, consegui, ao menos em língua portuguesa, atender, sem que o soubesse à época, o pedido que, pouco antes de partir, fizera Steinhardt a seu amigo Virgil Ciomoş:
Sabe, meu caro, faço enorme questão que este Diário apareça. Sem este testemunho público, eu me sentiria culpado diante de Jesus. Gostaria de pedir-te, assim, que retenhas três coisas que te confiarei com língua de morte: 1. Dize a todos que tive fé, de todo o meu coração, em Jesus Cristo, nosso Salvador. Cristo é um grande poder, irmão Virgil, uma grande alegria e uma felicidade ainda maior. A única coisa que ele deseja para nós é fazer-nos felizes. Houve um Instante em que se apiedou também de mim - o inútil - e me tomou para dizer-me que me perdoara. Era em Braşov. Nem sei quanto durou! 2. Dize-lhes ainda que amei sinceramente o povo romeno e que cheguei até a enamorar-me de seus defeitos e 3. toma conta do Diário.
Num Brasil, onde professores de direitos humanos vão fazer curso de especialização na ilha prisão, que é a Cuba do tirano assassino e traficante de drogas que é Fidel Castro, sem se darem conta da incongruência desse ato, este livro servirá de libelo para tirar-lhes a máscara, trazendo-lhe a público o rosto sujo da ignorância ou da conivência.
Elpídio Mário Dantas Fonseca"
Pode ser visto aqui um documentário primoroso, intitulado Arheologia Regasirii, de cerca de uma hora e vinte de duração, realizado por Vasile Alecu em 2006 para a Televisão România Cultural, acerca de Steinhardt e O Diário da Felicidade, entrevistando as principais pessoas da vida deste: o padre Mina Dobzeu, que o batizou, o abade Serafim Man, que o recebeu no mosteiro e o fez monge, Justinian Chira, por intermédio de quem entrou no mosteiro, Justin Hodea, atual bispo e companheiro de mosteiro, Virgil Bulat, companheiro de cela, George Ardeleanu, historiador literário.
Reproduzo parcialmente, abaixo, texto de apresentação assinado pelo tradutor.
"Habent sua fata translationes, ou do porquê traduzi O Diário da Felicidade, de Nicolae Steinhardt?
Coisas há que passam sem ser cridas,
E coisas cridas há sem ser passadas,
Mas o melhor de tudo é crer em Cristo.
(Camões, terceto final do soneto CV)
A pergunta mais do que natural que surgirá ao leitor deste livro é: por que um brasileiro traduziria para o português um livro de um monge romeno aqui desconhecido? E a história, longa, mas que procurarei resumir em algumas linhas, remonta ao ano de 1980: enquanto me dedicava aos estudos de língua portuguesa, vi a indicação de uma gramática romena na série de livros que manuseava e disse: por que não aprender tal língua?
Mas a realização desse plano só se daria dali a 18 anos quando conheci aquela que viria a ser minha esposa e que, num primeiro encontro, me emocionou tanto pela correção com que se expressava em português, que pensei com meu botões: o mínimo que essa moça merece é que eu aprenda a língua dela, se não tão bem quanto ela fala a minha, ao menos num nível que possa homenageá-la.
Indicando ela um curso de auto-aprendizado, com fitas cassetes, qual não foi a minha surpresa quando ela também me recomendou aquela mesma gramática de dezoito anos antes! Comecei o curso por conta própria, e, após seis meses, passei a namorar aquela com quem me casaria. Passado um ano, fiz com ela minha primeira viagem à Romênia, onde pude falar pela primeira vez e compreender sofrivelmente o romeno. Depois disso, com a ajuda de minha mulher, passei a falar razoavelmente.
Eis que um dia de 2004, enquanto ouvia de novo uma aula do curso de filosofia de Olavo de Carvalho, de 1998, atentei para um projeto de que ele falava entre as embaixadas da Romênia e do Brasil, tendo à testa, então, o Embaixador Jeronimo Moscardo, segundo o qual haveria traduções de livros de filosofia romenos em português, e traduções de livros de filosofia brasileira em romeno: faziam parte da lista obras de Mário Ferreira dos Santos, do próprio Olavo de Carvalho, Constantin Noica, Lucian Blaga e Nicolae Steinhardt.
O projeto, de 1998, infelizmente morrera e, dos livros planejados, apenas um, de Noica, As seis doenças do espírito contemporâneo (com tradução de Fernando Klabin e Elena Sburlea, introdução, edição, notas e comentários de Olavo de Carvalho, e revisão técnica de Carlos Nougué, biblioteca de filosofia, Record, 1999), fora publicado. Depois que Olavo de Carvalho terminou de falar, na fita cassete, sobre O Diário da Felicidade, de Nicolae Steinhardt, tive uma iluminação e pensei: ora, sei um pouco de romeno, por que não traduzir O Diário da Felicidade? Vou tomar a peito essa empreitada.
Imbuído da vontade de traduzir Steinhardt, propus esse meu plano ousado à minha esposa, que concordou. Finalmente, em 2006 terminei a tradução e minha esposa entrou em contato com a editora do mosteiro de Rohia, para que este negociasse os direitos autorais do livro com Edson Manoel de Oliveira Filho, esse destemido editor que, desde o primeiro momento em que lhe falei de meu projeto, prometeu-me que publicaria o livro no dia seguinte ao em que eu o entregasse.
Depois de alguns contratempos, minha esposa começou a revisão e, como demorasse a resposta do mosteiro, fomos ela e eu, juntos, a Rohia, em janeiro de 2007, e formalizamos o contrato.
De volta ao Brasil, houve uma espera de quase um ano e meio até chegar assinado o contrato: mal sabíamos que tal demora seria providencial, pois, nesse ínterim, duas novas edições se tinham feito em romeno, aumentando, de muito, o número de notas e de informações, o que só viria a beneficiar o público brasileiro, até agora jejuno de Steinhardt.
Mas não era de se esperarem menores dificuldades, quando se sabe que maiores agruras se abateram sobre Steinhardt, cujos manuscritos do Diário por duas vezes lhe foram confiscados pelo regime comunista da Romênia, obrigando-o a reescrever a obra, para, depois, ver devolvido o primeiro manuscrito.
Hoje, sinto-me plenamente recompensado, pois, envidando esforços superiores às minhas forças, consegui, ao menos em língua portuguesa, atender, sem que o soubesse à época, o pedido que, pouco antes de partir, fizera Steinhardt a seu amigo Virgil Ciomoş:
Sabe, meu caro, faço enorme questão que este Diário apareça. Sem este testemunho público, eu me sentiria culpado diante de Jesus. Gostaria de pedir-te, assim, que retenhas três coisas que te confiarei com língua de morte: 1. Dize a todos que tive fé, de todo o meu coração, em Jesus Cristo, nosso Salvador. Cristo é um grande poder, irmão Virgil, uma grande alegria e uma felicidade ainda maior. A única coisa que ele deseja para nós é fazer-nos felizes. Houve um Instante em que se apiedou também de mim - o inútil - e me tomou para dizer-me que me perdoara. Era em Braşov. Nem sei quanto durou! 2. Dize-lhes ainda que amei sinceramente o povo romeno e que cheguei até a enamorar-me de seus defeitos e 3. toma conta do Diário.
Num Brasil, onde professores de direitos humanos vão fazer curso de especialização na ilha prisão, que é a Cuba do tirano assassino e traficante de drogas que é Fidel Castro, sem se darem conta da incongruência desse ato, este livro servirá de libelo para tirar-lhes a máscara, trazendo-lhe a público o rosto sujo da ignorância ou da conivência.
Elpídio Mário Dantas Fonseca"
Pode ser visto aqui um documentário primoroso, intitulado Arheologia Regasirii, de cerca de uma hora e vinte de duração, realizado por Vasile Alecu em 2006 para a Televisão România Cultural, acerca de Steinhardt e O Diário da Felicidade, entrevistando as principais pessoas da vida deste: o padre Mina Dobzeu, que o batizou, o abade Serafim Man, que o recebeu no mosteiro e o fez monge, Justinian Chira, por intermédio de quem entrou no mosteiro, Justin Hodea, atual bispo e companheiro de mosteiro, Virgil Bulat, companheiro de cela, George Ardeleanu, historiador literário.
3 comentarii:
Excelente! Mais da Romênia para os brasileiros!
unde se poate cumpara acesta carte in Brasil ? Si cum pot contacta pe dl. Elpidio ?
aonde posso encontrar o livro no Brasil ? E como posso contactar o sr. Elpidio ?
vlad@radudesigns.com
Olá... escrevi sobre o livro e sobre a noite de ontem no site Pindaíba... até aprendi a dizer eu estou duro em romeno (sunt lefter).
Para ler a materia, basta clicar aqui: www.pindaiba.com.br/omelete_new.htm
Um grande abraço a todos
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