Deficiente visual de nascença, o jornalista Marcos Lima [na foto, diante do Palácio do Parlamento em Bucareste, o maior edifício civil do planeta] gosta mesmo é do seu trabalho como vice-presidente da Urece Esporte e Cultura, uma organização sem fins lucrativos que desenvolve atividades esportivas e culturais, no Rio de Janeiro, para pessoas com deficiência visual. O carioca chegou este ano a Bucareste justamente no dia do seu aniversário e não quer mais partir. E os motivos estão longe de ser profissionais. Leia abaixo algumas impressões sobre a Romênia que o jovem brasileiro teve a gentileza de repartir conosco.
A primeira vez que ouvi falar em Romênia foi durante a Copa de 1994. Amante de futebol e de nomes diferentes, logo adotei o time comandado por Hagi, muito bem coadjuvado por nomes como Petrescu, Popescu e outros Escus que ganharam ainda mais o meu apreço ao mandarem a Argentina, nossa eterna rival no futebol, de volta para a casa mais cedo. Depois ouvi que Drácula, que eu nem sabia quem era direito, fora na verdade um príncipe romeno. E eu, que adorava decorar as capitais do mundo, fixei que Târgoviste um dia fora a capital do antigo principado da Valáquia.
Quinze anos depois, os caminhos da vida e do coração me trouxeram a Bucareste. Essa semana, dois dias depois de ter visitado Târgoviste, voltava do estádio Ghencea, onde o Unirea Urziceni (treinado justamente pelo Dan Petrescu da minha infância) havia batido heroicamente o Sevilla pela Liga dos Campeões. E, caminhando pelas ruas da capital romena, ansioso para chegar em casa e aquecer-me, me lembrava das várias vezes em que, no mesmo horário, regressava à casa depois de um jogo no mítico estádio do Maracanã. O clima naquelas ocasiões era mais agradável, sem dúvida, mas ainda assim corríamos, porque temíamos uma emboscada a cada esquina. E foi aí que eu me dei conta do quanto eu gosto de Bucareste.
Não sei, a língua romena é muito bonita, as pessoas são simpáticas e até prolixas na hora de dar informação, o sistema de metrô é muito mais abrangente que o do Rio de Janeiro... Mas eu acho que a grande coisa aqui é a segurança. Claro que é possível que te furtem a carteira, mas o principal é que aqui a gente não vive com medo. Muitas vezes cheguei de viagem em Bucareste mais de meia-noite, esperei táxi na rua e ninguém me disse para ter cuidado.
Claro que na Alemanha, país onde estive por algum tempo este ano, as cidades são tão ou inclusive mais seguras do que aqui, mas se considerarmos que a Alemanha é um dos países mais desenvolvidos no mundo e que os IDH de Romênia e Brasil são bastante parecidos, o fato de Bucareste ser mil vezes mais segura que o Rio de Janeiro é algo que chama a atenção. Chegar em casa depois disso e ler que os ônibus da Linha Amarela mudaram o trajeto porque os traficantes os estavam sequestrando e os levando para as favelas, ou que o helicóptero da polícia de cinco milhões de dólares foi derrubado ou que Vila Isabel e vizinhanças pararam por causa de uma guerra entre traficantes no Morro dos Macacos, tudo isso me dá uma vergonha danada.
Se compararmos Rio de Janeiro e Bucareste em termos de belezas naturais, a capital romena sai em flagrante desvantagem. Bucareste não tem Cristo, não tem mar, não tem Baía de Guanabara, Pão de Açúcar, Maracanã, Copacabana... Nem dentro da Romênia Bucareste é o principal destaque turístico. Mas o número de assassinatos aqui por ano é estimado em 24, ou seja, a mesma quantidade de uma calma noite carioca. Tenho que confessar que fiquei constrangido ao mostrar o filme Tropa de Elite à minha namorada romena, simplesmente porque não pude concordar quando ela me perguntou "mas isso só acontece em filme, né?".
E acredite, a Romênia é tão pobre e corrupta quanto o Brasil. Eu amo o Brasil, mas estar aqui e viver isso me faz pensar que a gente tem que parar de culpar os outros pelas coisas que acontecem com a gente. Não é a pobreza a causa da violência, porque Bucareste é também uma cidade pobre, em que creio a média dos salários é mais baixa do que em muitas partes do Rio. Eu espero muito que as Olimpíadas de 2016 sirvam pra gente fazer algo contra isso, porque viver aqui tem me dado essa noção. Sempre tinha exemplos de países ricos, mas agora que posso comparar com a Romênia, fiquei com vergonha de coisas que a gente atura no nosso dia-a-dia e pensa que é normal porque nos acostumamos com pouco.
Não tem preço andar na rua sem ter que se preocupar se alguém vai chegar armado e roubar todas as suas coisas. E, de longe é possível ter uma noção maior do quanto a gente vive numa guerra urbana no Rio. Li certa vez sobre uns bandidos que assaltavam edifícios no meu bairro e preocupei-me por minha família, quis saber deles. Aqui, o máximo que pode acontecer é alguém bater sua carteira, o que é uma coisa bem chata, obviamente, mas é algo que você também está sujeito em Nova York, Tóquio, Chicago, Madri, Berlim, etc. Não estou dizendo que a Europa ou no caso específico Bucareste seja o antro da segurança universal, mas simplesmente não existe a possibilidade de bandidos fecharem uma rua e fazerem um arrastão ou derrubarem o helicóptero da polícia com armas de uso exclusivo do exército (a polícia aqui nem precisa ter helicóptero). Não existe a possibilidade de te arrancarem à força do seu carro, com armas na mão e levarem-no, isso quando você tem a sorte de não ser assassinado ao volante. Eu fico pasmo como muitas pessoas não entendem isso, estamos muito dentro dessa guerra urbana e achamos normal não podermos sair de noite ou estarmos com medo sempre.
E essa semana, enquanto voltava do Ghencea, comentava com minha namorada, ela uma fervorosa crítica das coisas que não andam bem na Romênia: "você não tem idéia do quanto é bom viver em um lugar onde você só precisa apressar o passo porque está frio".
A primeira vez que ouvi falar em Romênia foi durante a Copa de 1994. Amante de futebol e de nomes diferentes, logo adotei o time comandado por Hagi, muito bem coadjuvado por nomes como Petrescu, Popescu e outros Escus que ganharam ainda mais o meu apreço ao mandarem a Argentina, nossa eterna rival no futebol, de volta para a casa mais cedo. Depois ouvi que Drácula, que eu nem sabia quem era direito, fora na verdade um príncipe romeno. E eu, que adorava decorar as capitais do mundo, fixei que Târgoviste um dia fora a capital do antigo principado da Valáquia.
Quinze anos depois, os caminhos da vida e do coração me trouxeram a Bucareste. Essa semana, dois dias depois de ter visitado Târgoviste, voltava do estádio Ghencea, onde o Unirea Urziceni (treinado justamente pelo Dan Petrescu da minha infância) havia batido heroicamente o Sevilla pela Liga dos Campeões. E, caminhando pelas ruas da capital romena, ansioso para chegar em casa e aquecer-me, me lembrava das várias vezes em que, no mesmo horário, regressava à casa depois de um jogo no mítico estádio do Maracanã. O clima naquelas ocasiões era mais agradável, sem dúvida, mas ainda assim corríamos, porque temíamos uma emboscada a cada esquina. E foi aí que eu me dei conta do quanto eu gosto de Bucareste.
Não sei, a língua romena é muito bonita, as pessoas são simpáticas e até prolixas na hora de dar informação, o sistema de metrô é muito mais abrangente que o do Rio de Janeiro... Mas eu acho que a grande coisa aqui é a segurança. Claro que é possível que te furtem a carteira, mas o principal é que aqui a gente não vive com medo. Muitas vezes cheguei de viagem em Bucareste mais de meia-noite, esperei táxi na rua e ninguém me disse para ter cuidado.
Claro que na Alemanha, país onde estive por algum tempo este ano, as cidades são tão ou inclusive mais seguras do que aqui, mas se considerarmos que a Alemanha é um dos países mais desenvolvidos no mundo e que os IDH de Romênia e Brasil são bastante parecidos, o fato de Bucareste ser mil vezes mais segura que o Rio de Janeiro é algo que chama a atenção. Chegar em casa depois disso e ler que os ônibus da Linha Amarela mudaram o trajeto porque os traficantes os estavam sequestrando e os levando para as favelas, ou que o helicóptero da polícia de cinco milhões de dólares foi derrubado ou que Vila Isabel e vizinhanças pararam por causa de uma guerra entre traficantes no Morro dos Macacos, tudo isso me dá uma vergonha danada.
Se compararmos Rio de Janeiro e Bucareste em termos de belezas naturais, a capital romena sai em flagrante desvantagem. Bucareste não tem Cristo, não tem mar, não tem Baía de Guanabara, Pão de Açúcar, Maracanã, Copacabana... Nem dentro da Romênia Bucareste é o principal destaque turístico. Mas o número de assassinatos aqui por ano é estimado em 24, ou seja, a mesma quantidade de uma calma noite carioca. Tenho que confessar que fiquei constrangido ao mostrar o filme Tropa de Elite à minha namorada romena, simplesmente porque não pude concordar quando ela me perguntou "mas isso só acontece em filme, né?".
E acredite, a Romênia é tão pobre e corrupta quanto o Brasil. Eu amo o Brasil, mas estar aqui e viver isso me faz pensar que a gente tem que parar de culpar os outros pelas coisas que acontecem com a gente. Não é a pobreza a causa da violência, porque Bucareste é também uma cidade pobre, em que creio a média dos salários é mais baixa do que em muitas partes do Rio. Eu espero muito que as Olimpíadas de 2016 sirvam pra gente fazer algo contra isso, porque viver aqui tem me dado essa noção. Sempre tinha exemplos de países ricos, mas agora que posso comparar com a Romênia, fiquei com vergonha de coisas que a gente atura no nosso dia-a-dia e pensa que é normal porque nos acostumamos com pouco.
Não tem preço andar na rua sem ter que se preocupar se alguém vai chegar armado e roubar todas as suas coisas. E, de longe é possível ter uma noção maior do quanto a gente vive numa guerra urbana no Rio. Li certa vez sobre uns bandidos que assaltavam edifícios no meu bairro e preocupei-me por minha família, quis saber deles. Aqui, o máximo que pode acontecer é alguém bater sua carteira, o que é uma coisa bem chata, obviamente, mas é algo que você também está sujeito em Nova York, Tóquio, Chicago, Madri, Berlim, etc. Não estou dizendo que a Europa ou no caso específico Bucareste seja o antro da segurança universal, mas simplesmente não existe a possibilidade de bandidos fecharem uma rua e fazerem um arrastão ou derrubarem o helicóptero da polícia com armas de uso exclusivo do exército (a polícia aqui nem precisa ter helicóptero). Não existe a possibilidade de te arrancarem à força do seu carro, com armas na mão e levarem-no, isso quando você tem a sorte de não ser assassinado ao volante. Eu fico pasmo como muitas pessoas não entendem isso, estamos muito dentro dessa guerra urbana e achamos normal não podermos sair de noite ou estarmos com medo sempre.
E essa semana, enquanto voltava do Ghencea, comentava com minha namorada, ela uma fervorosa crítica das coisas que não andam bem na Romênia: "você não tem idéia do quanto é bom viver em um lugar onde você só precisa apressar o passo porque está frio".
3 comentarii:
Estou muito contente que existe um tal blog. Eu sou um medico romêno que mora no São José do Rio Pardo. Tenho um site de medicina no endereço http://www.misodor.com/ site onde qualquer brasileiro pode achar coisas interesantes sobre Romênia. Um abraço.
Achei o texto muito interessante, mas, considerando o processo de formação das duas cidades e principalmente o tamanho delas, é um pouco complicado comparar Rio e Bucareste.
Eu moro na periferia de Poços de Caldas, uma cidade do interior de Minas. Moro bem longe do centro, mas incontáveis vezes já vim andando pra casa sozinho depois da meia-noite, e nunca aconteceu absolutamente nada comigo. Bem, Poços é menor que Timişoara... pode até ser uma exceção, já que Poços tem o maior IDH de Minas e já teve um dos 10 maiores do Brasil. Já morei também em Mariana, uma cidade pequena e bem tranquila. O fato é que se Bucareste tivesse o tamanho do Rio o índice de violência seria inevitavelmente bem maior por lá.
É, mas sem dúvidas ainda bem menor que o do Rio, o que se deve a outros fatores. Se ouve tanta coisa ruim do Rio por aqui que eu tenho medo de ir pra lá. Também tenho a esperança de que com os eventos esportivos que estão por vir algo mude naquela cidade!
O que foi narrado sinceramente que me deu enorme vontade de sair aqui do Rio de Janeiro e ir, pelo menos, passar um ou dois anos na Romênia e, principalmente, arrumar uma namorada lá (risos). Porém, nem sempre a vontade basta para que algo seja realizado. Por exemplo, como alguém de trinta anos pode sair do Brasil para ir viver na Romênia sem saber falar outro idioma senão o português e o espanhol razoável? Se ao menos soubesse inglês...
Gostei muito da parte de poder sair sem sentir medo ou sempre estar sobressaltado.
Costumo dizer que a situação do pobre no Brasil conspira contra ele em todos os aspectos. A pobreza em nosso país funciona como uma areia movediça, isto é, em alguns casos quanto mais um pobre luta para sair da pobreza menos consegue. Na Romênia também é assim?
Bom, estou quase terminando o curso de Direito e espero logo poder aprender inglês para poder pensar numa maneira de como sair daqui para ir à Europa, quiçá à Romênia. Sinceramente gostaria de receber sugestões.
Abraço
Bom artigo.
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