26.1.08

Visão brasileira do filme de Mungiu

Reproduzo a seguir artigo publicado em 01 de outubro de 2007 por Myrna Silveira Brandão, intitulado "Cinema romeno mostra sua vitalidade":

Novo filme de Mungiu aborda tema polêmico com delicadeza

O novo filme de Cristian Mungiu – 4 meses, 3 semanas e 2 dias (4 luni, 3 saptamini si 2 zile) – é um exemplo da proeminência que o cinema romeno vem adquirindo no cenário internacional.

Tanto queapós ganhar a Palma de Ouro no último Festival de Cannes – foi incluído na programação da 45ª edição do seleto Festival de Nova York. O título tem tudo a ver com o tema que o filme aborda. Os quatro meses, três semanas e dois dias referem-se ao período de gravidez de uma jovem que vai se submeter a um aborto.

O filme começa com cenas focalizando um dormitório universitário em 1987, onde as amigas Gabita (Laura Vasiliu) e Otília (Anamaria Marinca) repassam as necessidades do dia. Apesar de não ser claro ainda o evidente nervosismo das duas mulheres, Gabita permanece no quarto, enquanto Otília sai para fazer reserva num hotel e para encontrar um certo Mr. Bebe (Vlad Ivanov). Ele é um aborcionista ilegal – e de muitos outros baixos princípios – e fica muito irritado quando descobre que a jovem Gabita está com a gravidez muito mais adiantada do que havia lhe dito e resolve se aproveitar da situação. Além de aumentar o preço que cobraria para realizar o aborto, exige favores sexuais das duas mulheres que, sem condição de outras alternativas, acabam se submetendo.

Após as constrangedoras cenas dos estupros e da realização do aborto, Mr. Bebe insere um tubo em Gabita, dá instruções para as duas amigas e vai embora. A seqüência é tomada com a câmera fixa durante um longo plano mostrando o corpo de Gabita esticado, joelhos para cima, se estendendo através da tela inteira.

Ao abordar o polêmico tema do aborto, Mungiu não tinha a intenção de chocar como foi, por exemplo, o caso de Vera Drake, de Mike Leigh, mas o diretor se aproxima do cinema de Leigh quando busca um viés similar, através da concentração intensa no personagem de Vasiliu. A propósito, a interpretação das duas atrizes é extraordinária, não apenas na forma como transformam os diálogos do roteiro em fala real, mas também na habilidade de expressar todas as suas lutas internas, na maior parte das vezes, através do silêncio.

É notável a cena que mostra Otília – logo após sua amiga ter sofrido o abortohesitantemente deixando o hotel para participar da festa de aniversário da mãe de seu melhor amigo, Adi (Alex Potocean). As seqüências mostram um desempenho extraordinário da atriz. Com a câmera centrada em Otília, sentada tensamente à mesa junto com os outros convidados, um sentido de desconforto toma conta da personagem e a jovem mulher silenciosamente vai expressando suas emoções num crescendo, até que elas quase que explodem na superfície.

O filme de Mungiu traz todos os elementos do novo cinema romenotomadas longas, câmera controlada e diálogos deliberadamente naturais. O diretor filma cada cena em apenas uma tomada. A câmera ora está parada enquanto os personagens transitam pelo seu foco, ora os segue na medida em que eles caminham.

Fica nítida a meta do diretor de visualizar, através de uma história límpida e profundamente humana, o enorme peso das aflições que destruíram sonhos de muitas pessoas durante os anos terríveis da ditadura de Nicolau Ceausescu.

Fonte: Mnemocine

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