Olga Moscovici nasceu em Bucareste em 1948. Morava na Strada Laborator 133, que hoje em dia não existe mais, pois na época de Ceausescu foi derrubado o bairro todo. Ela saiu da Romênia em 1964 e desde então nunca mais voltou, embora tenha muita saudade da cidade natal. Olga chegou ao Brasil em 1965, acompanhada dos pais. Leia abaixo seu emocionante relato, exclusivo para o TPRB, contando sobre sua infância romena, a partida de seu país e o impacto da chegada ao Brasil.
Nasci em Bucareste numa família que sofreu muito por causa do Comunismo, que confiscou todos os bens de todas as pessoas que tinham alguma coisa. Vivíamos uma vida muito sofrida, passando muitas necessidades, fome, frio e também humilhação, já que minha família era judia e eu nasci muito, muito ruiva, o que é um sinônimo de judeu na Romênia. Como criança fui muito discriminada, as crianças me batiam, me apedrejavam e me cuspiam na rua por ser judia. Fome? Era o que mais passávamos. Eu entrava nos quintais vizinhos, junto com outras crianças que vinham de famílias com problemas como eu e roubávamos as frutas das árvores dos vizinhos. Tínhamos por exemplo um vizinho que plantava alface e pimenta dedo de moça. Nós roubávamos alface e pimenta e, para não passar na frente da casa dele, onde ficava a torneira do quintal, comíamos a alface com terra e tudo, assim como fora tirada, para não sermos pegos por ele. E no inverno? Não havia mais frutas. Mas tinha gelo (tzurtzuri de ghiatzã) que comia para ter a sensação que estava mastigando algo. Vestidos? Tinha um só. Quando minha mãe me lavava o vestido, tinha que ficar dentro de casa de calcinha até que ele secasse. Sempre que tinha um sapato novo, tinha um vestido velho e vice-versa. Nunca tive um vestido novo e um sapato novo ao mesmo tempo, NUNCA. Tive um casaco de inverno (palton) que usei dos 5 aos 11 anos. Lógico que já estava surrado e pequeno, pois eu tinha crescido. As mangas não passavam mais do cotovelo, mas tinha que usar daquele jeito, já que era o único casaco disponível.
Recebemos o visto para Israel, mas o meu pai, que já tinha uma irmã no Brasil, queria se encontrar com ela, já que não se viam há mais de 25 anos. O fato de podermos sair da Romênia era mais do que um sonho. Estava flutuando de felicidade. Tinha 17 anos e meus pais tinham apresentado a solicitação para sair do país no ano em que eu nasci. Finalmente chegou o dia D. Nem conseguia acreditar. Vivia um sonho acordada. Era bom demais para ser verdade, levando em consideração que, além de tudo ser muitíssimo difícil na minha vida, não acontecia nenhum milagre e, de repente, era como se vivesse um milagre. Totalmente indescritível a sensação que estava sentindo. Imaginava-me no Brasil casada com um homem rico, com um piano na sala e eu vestida com aqueles vestidos franceses do tempo do Napoleão. É assim que eu via a vida dos brasileiros. Ricos, cultos e gentis.
Chegamos a Nápoles e fomos encaminhados para um hotel, de onde iríamos embarcar para Israel. Só que meu pai queria vir para o Brasil. No meio da noite, fugimos e procuramos a HIAS, uma sociedade internacional que ajudava refugiados de países comunistas. Após ficarmos em Gênova por um ano e meio - pois a entrada de estrangeiros no Brasil havia sido proibida por questões políticas - finalmente embarcávamos para o Brasil no navio Augustus C. Lindo? Não. Maravilhoso. Uma criança que nunca viu nada, nunca teve nada, viajar de navio? Como descrever meu sentimento? Impossível.
Passamos por Barcelona, mas fomos proibidos de descer porque vínhamos de um país comunista. Decepção? Um pouco. Mas como já estava acostumada à discriminação de todos os tipos, aproveitei as regalias do navio para me distrair. E chegou o grande momento: já estávamos no Brasil e - olha só! - pude descer do navio sem ser discriminada por ninguém. Que maravilha de país, que povo maravilhoso, gentil e acolhedor. Como pode existir um povo assim tão bom?
Fizemos uma pequena pausa no Rio de Janeiro. Nem podia acreditar. Como assim? Eu, a Olga pobre, faminta e discriminada, agora estava no Rio de Janeiro olhando aquelas maravilhas e ninguem me xingava? Tinha que me beliscar para ver se estava acordada ou se era um sonho. Nao, não era sonho, era relidade. Aqueles prédios grandes, aquele monte de gente, todo mundo parecia feliz e sorridente, aquelas avenidas grandes. Que maravilha. Eu não conhecia de perto pessoas de cor e aquilo ma fascinou. Tinha um senhor que vendia laranja (que na Romênia não tínhamos) e ele tinha uma maquininha que descascava a laranja. Fiquei por um longo tempo olhando aquilo. Era só ter dinheiro que qualquer um podia comprar. Inacreditável.
Voltamos ao navio para seguirmos para Santos. Saímos do Rio de Janeiro por volta das 23:30. NUNCA MAIS NA VIDA VOU ESQUECER ESTE MOMENTO. Estávamos nos afastando do Rio e eu olhando do navio para a cidade... Como pode existir tanta beleza, tantas luzes. Propagandas que acendiam e se apagavam. Aquele mar de luzes vindo dos prédios, dos restaurantes e dos locais públicos. Não podia ser realidade, mas era. Não consegui mover um único dedinho do lugar enquanto olhava para essa paisagem maravilhosa. E tinha muitos reclames com coca-cola... O que será coca-cola? Na Romênia, "coca" se fala para uma bonequinha ou para uma criança pequena. Mas porque eles tinham que colocar cartazes tão grandes por causa de uma bonequinha? Bom... tudo é diferente por aqui, e então isso também era diferente...
Logo cedo chegamos a Santos, onde a família estava nos esperando. Fomos para São Paulo com uma perua, já que éramos numerosos. Que lugar maravilhoso. Quanto verde. Adoro natureza e via de perto plantas e árvores tropicais. Não queria que este sonho terminasse nunca.
E assim começamos a nossa nova vida, ou melhor, assim começamos a viver como gente. Nascemos eu, meu pai e minha mãe naquele dia em que chegamos a São Paulo. Não importava não termos dinheiro, roupa nem lugar para morar. Só o fato de sermos gente já era suficiente. Eu passei a ser reconhecida como italiana, linda loira(e não ruiva) de olhos azuis e ninguém mais me xingava. Não é uma maravilha?
Nasci em Bucareste numa família que sofreu muito por causa do Comunismo, que confiscou todos os bens de todas as pessoas que tinham alguma coisa. Vivíamos uma vida muito sofrida, passando muitas necessidades, fome, frio e também humilhação, já que minha família era judia e eu nasci muito, muito ruiva, o que é um sinônimo de judeu na Romênia. Como criança fui muito discriminada, as crianças me batiam, me apedrejavam e me cuspiam na rua por ser judia. Fome? Era o que mais passávamos. Eu entrava nos quintais vizinhos, junto com outras crianças que vinham de famílias com problemas como eu e roubávamos as frutas das árvores dos vizinhos. Tínhamos por exemplo um vizinho que plantava alface e pimenta dedo de moça. Nós roubávamos alface e pimenta e, para não passar na frente da casa dele, onde ficava a torneira do quintal, comíamos a alface com terra e tudo, assim como fora tirada, para não sermos pegos por ele. E no inverno? Não havia mais frutas. Mas tinha gelo (tzurtzuri de ghiatzã) que comia para ter a sensação que estava mastigando algo. Vestidos? Tinha um só. Quando minha mãe me lavava o vestido, tinha que ficar dentro de casa de calcinha até que ele secasse. Sempre que tinha um sapato novo, tinha um vestido velho e vice-versa. Nunca tive um vestido novo e um sapato novo ao mesmo tempo, NUNCA. Tive um casaco de inverno (palton) que usei dos 5 aos 11 anos. Lógico que já estava surrado e pequeno, pois eu tinha crescido. As mangas não passavam mais do cotovelo, mas tinha que usar daquele jeito, já que era o único casaco disponível.
Recebemos o visto para Israel, mas o meu pai, que já tinha uma irmã no Brasil, queria se encontrar com ela, já que não se viam há mais de 25 anos. O fato de podermos sair da Romênia era mais do que um sonho. Estava flutuando de felicidade. Tinha 17 anos e meus pais tinham apresentado a solicitação para sair do país no ano em que eu nasci. Finalmente chegou o dia D. Nem conseguia acreditar. Vivia um sonho acordada. Era bom demais para ser verdade, levando em consideração que, além de tudo ser muitíssimo difícil na minha vida, não acontecia nenhum milagre e, de repente, era como se vivesse um milagre. Totalmente indescritível a sensação que estava sentindo. Imaginava-me no Brasil casada com um homem rico, com um piano na sala e eu vestida com aqueles vestidos franceses do tempo do Napoleão. É assim que eu via a vida dos brasileiros. Ricos, cultos e gentis.
Chegamos a Nápoles e fomos encaminhados para um hotel, de onde iríamos embarcar para Israel. Só que meu pai queria vir para o Brasil. No meio da noite, fugimos e procuramos a HIAS, uma sociedade internacional que ajudava refugiados de países comunistas. Após ficarmos em Gênova por um ano e meio - pois a entrada de estrangeiros no Brasil havia sido proibida por questões políticas - finalmente embarcávamos para o Brasil no navio Augustus C. Lindo? Não. Maravilhoso. Uma criança que nunca viu nada, nunca teve nada, viajar de navio? Como descrever meu sentimento? Impossível.
Passamos por Barcelona, mas fomos proibidos de descer porque vínhamos de um país comunista. Decepção? Um pouco. Mas como já estava acostumada à discriminação de todos os tipos, aproveitei as regalias do navio para me distrair. E chegou o grande momento: já estávamos no Brasil e - olha só! - pude descer do navio sem ser discriminada por ninguém. Que maravilha de país, que povo maravilhoso, gentil e acolhedor. Como pode existir um povo assim tão bom?
Fizemos uma pequena pausa no Rio de Janeiro. Nem podia acreditar. Como assim? Eu, a Olga pobre, faminta e discriminada, agora estava no Rio de Janeiro olhando aquelas maravilhas e ninguem me xingava? Tinha que me beliscar para ver se estava acordada ou se era um sonho. Nao, não era sonho, era relidade. Aqueles prédios grandes, aquele monte de gente, todo mundo parecia feliz e sorridente, aquelas avenidas grandes. Que maravilha. Eu não conhecia de perto pessoas de cor e aquilo ma fascinou. Tinha um senhor que vendia laranja (que na Romênia não tínhamos) e ele tinha uma maquininha que descascava a laranja. Fiquei por um longo tempo olhando aquilo. Era só ter dinheiro que qualquer um podia comprar. Inacreditável.
Voltamos ao navio para seguirmos para Santos. Saímos do Rio de Janeiro por volta das 23:30. NUNCA MAIS NA VIDA VOU ESQUECER ESTE MOMENTO. Estávamos nos afastando do Rio e eu olhando do navio para a cidade... Como pode existir tanta beleza, tantas luzes. Propagandas que acendiam e se apagavam. Aquele mar de luzes vindo dos prédios, dos restaurantes e dos locais públicos. Não podia ser realidade, mas era. Não consegui mover um único dedinho do lugar enquanto olhava para essa paisagem maravilhosa. E tinha muitos reclames com coca-cola... O que será coca-cola? Na Romênia, "coca" se fala para uma bonequinha ou para uma criança pequena. Mas porque eles tinham que colocar cartazes tão grandes por causa de uma bonequinha? Bom... tudo é diferente por aqui, e então isso também era diferente...
Logo cedo chegamos a Santos, onde a família estava nos esperando. Fomos para São Paulo com uma perua, já que éramos numerosos. Que lugar maravilhoso. Quanto verde. Adoro natureza e via de perto plantas e árvores tropicais. Não queria que este sonho terminasse nunca.
E assim começamos a nossa nova vida, ou melhor, assim começamos a viver como gente. Nascemos eu, meu pai e minha mãe naquele dia em que chegamos a São Paulo. Não importava não termos dinheiro, roupa nem lugar para morar. Só o fato de sermos gente já era suficiente. Eu passei a ser reconhecida como italiana, linda loira(e não ruiva) de olhos azuis e ninguém mais me xingava. Não é uma maravilha?
Un comentariu:
Visitei Brasil seis vezes. Visitei Rio de Janeiro 11 vezes e Sao Paulo 5 vezes. De verdade esse pais e maravilhoso e esse povo e inimitavel. Gostei muito a historia de Olga. Conosco gente da Romenia que mora no Brasil de muitos anos. Adorei o jeito de viver brasileiro.
Irina
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