27.9.13

As Aventuras do Rei Carol em Londres

Em 15 de setembro de 1940, a Folha da Manhã, um dos principais jornais de São Paulo naquela época, publicava um curioso artigo intitulado As Aventuras do Rei Carol em Londres, com subtítulo Através do "dossier" de um agente da Scotland Yard - Revelações sensacionais, abaixo reproduzido na grafia original (na foto, o rei Carol II e Elena Lupescu, provavelmente em 03 de julho de 1947, dia de seu casamento no Copacabana Palace no Rio de Janeiro):

Depois de muito considerar, decidi confiar ao papel os detalhes do meu mais importante caso de investigação particular, que no meu "dossier" se encontra sob o titulo de "Carol da Rumânia". A data, abril de 1928.

Eu estava afastado das minhas funções oficiais na Scotland Yard, depois de 18 anos de serviço especial, e consequentemente livre para qualquer comissão concernente à minha especialização. Desejo esclarecer perfeitamente que se trata de um caso particular e que em hipótese alguma estava eu trabalhando para as autoridades britânicas.

Naquela época, Carol da Rumânia era um exilado passeando pela Europa com sua favorita, a moderna "Pompadour", Mme. Lupescu. Sua esposa, a princeza Helena da Grecia, com quem se casára em 1921, tendo desse casamento um filho nascido em 1923, permanecia na Rumânia e o menino fôra proclamado rei, com o governo exercido por uma regência.

A influência de Mme. Lupescu sobre ele era muito forte e por ela era inteiramente dominado; ele ia de país em país buscando um santuário para seus amores. Que espécie de mulher seria esta que até hoje controla a vontade de Carol, mesmo ocupando um trono? Ela é de altura mediana, cheia de corpo. Cabelos ondulados, de um ruivo acentuado - uma côr perigosa, segundo dizem os prudentes. Porém, o traço mais notavel nesta notavel beleza são os olhos que brilham, ora com ardor, ora desafiantes, ostentando uma tonalidade verde jade. Madame Lupescu é judia, com o encanto sazonado das mulheres desta raça. Veste-se absolutamente na moda, vestidos justos para revelar o talhe, e é louca por peles de raposa prateada. Pouco esforço e pintura necessita para aumentar seus atrativos.

Em companhia da atriz principal de um dos mais sensacionais dramas politicos de todos os tempos, Carol, o exilado, chegou à Inglaterra usando seu titulo de principe. Imediatamente apelou para o Home Office, solicitando permissão para residir permanentemente em solo britânico - a Inglaterra é um lugar famoso para a realeza exilada -, mas não obteve o que desejava.

O principe Carol foi advertido das condições sob as quais ele e Mme. Lupescu tinham tido permissão para ficar na Inglaterra, principalmente de que podia permanecer dois meses desde que guardasse as conveniências.

Segundo se depreende, não coincidiam as noções do principe Carol e do governo britânico sobre a maneira de guardar as conveniências...

Em abril de 1928, pouco tempo antes da chegada do principe, fui procurado por certos cavalheiros em Paris, membros da facção contra Carol no governo da Rumânia, solicitando meus serviços e de meus ajudantes na vigilância dos exilados com a apresentação de constantes relatórios sobre os seus movimentos. Era claro que o governo rumaico receava uma conspiração para Carol retomar ao trono.

Aceitei a incumbência. No mês de maio de 1928, Carol chegou à Inglaterra e eu reuni meus auxiliares para a vigilância. O casal rumou para uma encantadora residência no condado de Survey.

*

É lógico que, abrigando visitantes reais, a casa se tornasse interessante para os curiosos. Motoristas, gente em passeio, paravam frequentemente seus carros na estrada fronteira, sonhando ver os reais amantes. Vigiava a casa a polícia oficial alugada para protegê-los - serviço especial da Scotland Yard - e meus auxiliares.

Mensageiros do telégrafo transpunham constantemente os portões; carteiros carregados de correspondência e reluzentes automoveis iam e vinham. Quando o principe Carol deixou a casa, tomou imediatamente um carro com cortinas descidas, furtando-se assim completamente aos curiosos.

Os meus vigias nunca relaxavam a vigilância, dia e noite. No dia 8 de maio, o principe foi informado de que devia começar a se movimentar para a partida, mas de que não deveria partir por via aérea. Com desgosto Carol soube que as autoridades tinham conhecimento das ordens que ele dera para dois grandes aviões de passageiros permanecerem no aeródromo de Croydon, prontos a partir com destino desconhecido.

Agora a cena passa-se numa oficina de impressão situada em rua estreita, perto de Seven Dials, no centro de Londres. Imprimiam-se folhetos que ninguem entendia, porque eram escritos em rumaico. Assim que os primeiros milhares ficaram prontos, um mensageiro foi levá-los ao principe. 

Eu tinha conhecimento disso e instruções de Paris para apanhar alguns desses folhetos, o que, para mim, era o ponto principal de todo o caso. Conseguí-lo-ia? O problema era cheio de obstáculos.

Cismava ainda sobre as dificuldades, pesando-as bem, quando o mensageiro chegou com o precioso embrulho, deixando-o na porta da cozinha, bem sob as minhas vistas, coincidindo a chegada dele com a do empregado de uma casa de Londres, trazendo mantimentos e coisas para a casa. Vislumbrei minha oportunidade. Corri logo estrada abaixo e depois de alguma procura encontrei um açougue onde comprei a mais bela perna de carneiro que existia. O açougueiro de certo pensou que eu era um louco rematado, quando pedi que me alugasse uma encardida jaqueta e uma bandeja de madeira para carregar a carne. Vestindo um avental e carregando aos ombros a bandeja, voltei à casa, transpuz o portão e alcancei a porta da cozinha. Bati. Nenhuma resposta. Experimentei a porta, que estava aberta, e empurrei-a. A sorte estava comigo. Ali, no chão da cozinha, de mistura com os mantimentos, estavam os folhetos, facilmente identificaveis pela etiqueta. Em segundos estava de posse de alguns. Foi justamente o tempo de escondê-los no bolso, quando apareceu a creada para apanhar a carne. Minha presença nem foi notada, certamente por causa do avental, da bandeja e da carne; e se naquela noite eles apreciaram o jantar, não tiveram a menor idéia de que fôra o "moço do açougue" o organizador da festa!

Logo depois uma cópia dos folhetos estava a caminho de Paris, via aérea, endereçada àqueles a quem eu servia. Era o conhecido manifesto do principe dirigido aos seus correligionarios na Rumânia. O plano que tinha em mente era voar sobre o seu país e jogar do aeroplano milhares e milhares dos tais folhetos sobre a terra de que desertára.

Naquela noite, ele foi para a cama com calafrios. Na manhã seguinte, o meu colega de alguns meses atrás, inspetor Haines, da Scotland Yard, presenteou-o uma ordem para deixar a Inglaterra imediatamente.

Na Câmara dos Comuns, o secretário do Interior não escolheu palavras. Ele disse: "Sua presença na Inglaterra não é desejada". 

O grosseiro abuso do principe contra a hospitalidade inglesa voltou-se contra ele mesmo. O mau procedimento que teve não foi tolerado e dois dias depois ele desapareceu, sem encontrar impecilhos, com a sua companheira de cabelos ruivos, para vaguear de novo pela Europa. Telefonei para Paris. Minha missão estava acabada.

Dois anos depois, Carol deu o golpe de estado, voltando, pitoresca e dramaticamente, a Bucarest por via aérea. O seu partido colocou-o novamente no trono, arrebatando a corôa ao menino que foi relegado à situação de principe herdeiro.

A princeza Helena tem a simpatia de todo mundo e atualmente os fascistas da Rumânia são conduzidos por homens que se intitulam "Cavalheiros de Helena", defendendo-lhe a causa.

*

É uma coisa problemática a continuidade do real "eterno triângulo" da Rumânia. Mme. Lupescu - cujo nome traduzido quer dizer Lobo - vive reclusa, guardada, de residência em residência, passando a maior parte do tempo em companhia do seu real amante na Ilha das Serpentes - o misterioso posto militar, na embocadura do Danúbio, que se diz ser infestado por serpentes venenosas...

Dizem que os judeus rumaicos pediram a Mme. Lupescu para deixar o país, porque a presença dela trás a sombra ameaçadora de um possivel massacre sobre eles todos. Realmente, o "Esquadrão da Morte", da poderosa Guarda de Ferro, organização antisemita da Rumânia, tomou solene compromisso de assassiná-la.

Quando o primeiro-ministro rumaico M. Ducas, foi morto, em 1933, em seguida a uma entrevista com Carol, começou um reinado de terror, e ha indicios de um novo reino do terror, a não ser que ela seja banida do país, porque a favorita do rei é profundamente odiada por seus súditos. Durante o ano de 1934, forças poderosas trabalharam no sentido do afastamento da Lupescu e da reconciliação da princeza Helena.

Aqueles que conheceram a "Pompadour" do rei Carol nos primeiros tempos desse espetacular "love-romance", quando em Paris, no Hotel Claridge e na cozinha do Boulevard Bineau, em Neully, e que tiveram ocasião de vê-la recentemente são acordes em afirmar que ela não será por muito tempo a beleza orgulhosa, cujo círculo de magnetismo afrontava acintosamente o mundo. Murmura-se que ela está se tornando silenciosa, mais tímida, e de rosto pálido. E o mundo observa e conjetura sobre o que acontecerá amanhã.

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