Em 08 de dezembro de 1916, o Correio Paulistano, em artigo de capa, intitulado A quéda de Bucarest, anunciava a entrada das tropas alemãs na capital romena, ocorrida dois dias antes, no contexto das ações da I Guerra Mundial. O texto original encontra-se abaixo reproduzido (na foto, tropas alemãs, comandadas por Erich von Falkenhayn, entram em Bucareste no dia 06 de dezembro de 1916):
Bucarest cahiu ante-hontem, como se previa desde alguns dias, em poder dos allemães. Está vencida a primeira e principal “étape” da acção dos exercitos centraes lançados contra a Rumania, exercitos que muitos julgaram condemnados a afogar-se no Danubio ou a ficarem sepultados nas ravinas do Caucaso [nota do blog: o autor decerto confundiu o Cáucaso com os Cárpatos]. Quando a Rumania se decidiu a entrar na guerra, a estrategia dos optimistas traçou um circulo, sobre a carta da Europa, abrangendo a Transylvania, a Dobrudja e a Bulgaria, e exclamou convictamente: “É aqui que vamos travar o prélio decisivo; é aqui que a estrella da Allemanha empallidecerá para todo o sempre”. Esses optimistas acordam agora, sobresaltados, do seu mau sonho. De facto, quaesquer que sejam as restricções, as metamorphoses e as gymnasticas de polemica que se façam em torno dos acontecimentos balkanicos, a ninguem é permittido duvidar do desastre que a conquista de Bucarest, sobrevinda a uma série de operações quasi fulminantes, representa para os alliados. Desastre militar, pois que o exercito rumaico não tornará a refazer-se deste golpe; desastre estrategico, pois que está absoluta e irremediavelmente mallogrado o principal objectivo que arrastar os alliados aos Balkans; desastre politico, porque nesta altura da guerra um facto de tão grande importancia abala as mais solidas convicções acerca do desenlace da conflagração; desastre moral, porque as potencias da “entente”, abandonando os rumaicos á sua sorte, deram provas, ou dum grande egoismo, ou duma grande impotencia... A responsabilidade dos acontecimentos da Rumania provocou já uma crise parlamentar na Russia, atirou a terra com o governo inglez, abalou a situação politica franceza. Cada qual accusa os outros de culpas em que todos foram solidarios. Que importa agora, porém, destrinçar responsabilidades, si estamos em presença do irremediavel? Não serão a discussão azeda nem as acres accusações que lograrão restabelecer um prestigio tão duramente ferido pela quéda da capital rumaica.
Seria curioso saber-se o que, dos acontecimentos, pensarão os rumaicos, que entraram na guerra de má vontade, impellidos pelo sr. Bratianu e pela Russia. A Rumania estava ligada, desde tempos afastados, por um tratado de alliança, á Austria-Hungria, tratado a que mais tarde adheriram a Allemanha e a Italia, pela força da situação em que o equilibrio europeu mantinha estas grandes potencias. Quando a guerra rebentou, o rei Carol, então ainda vivo, quiz que a Rumania cumprisse a letra dos seus tratados, declarando-se ao lado dos imperios centraes. Mas a resistencia que encontrou foi grande. O egoismo nacional pendia para a neutralidade absoluta e só se manifestava a favor da participação na guerra, ao lado do grupo de belligerantes que tivesse mais probabilidades de victoria, e no momento opportuno. Varias vezes se julgou, na Rumania, chegada essa opportunidade. Assim succedeu quando os russos invadiram a Galicia e se apoderaram de Lemberg e de Przemysl. Mas, o que se passou depois, logo dissuadiu os rumaicos das suas velleidades ambiciosas. Finalmente, em meados do corrente anno, a opportunidade da intervenção pareceu evidente. Brussiloff invadia a Galicia e a Bucovina; começara a energica offensiva do Somme; os alliados reforçavam poderosamente o exercito de Salonica. Bratianu decidiu a guerra. Mas, como a opinião publica reluctasse em acceitar o sacrificio que exigiam do paiz, combinou com a Russia o famoso “ultimatum” de 27 de agosto, no qual o governo de Petrograd collocava a Rumania num dilemma terrivel: ou entrava na guerra ou seria invadida pelos moscovitas, pela fronteira não defendida, porque os russos tinham necessidade de atacar a Bulgaria. A guerra foi declarada; a Rumania tomada sob a protecção da “entente”; a Transylvania invadida. Tudo pareceu facil a principio, até que os allemães começaram a mover os seus exercitos para oriente. Hoje, os rumaicos começam a pensar que nada pode já salval-os da sorte da Servia; e têm motivos de sobra para se arrependerem de ter abandonado uma neutralidade proveitosa, confiados em illusões, ou em promessas que os alliados não quizeram ou não puderam cumprir.